Te olhando, inquieta no berço, consigo me lembrar dos
últimos momentos antes do seu vir. Tenho a impressão de que aquela fase em que
você se vestiu completamente da minha redoma, foi a tua época de maior proteção. (E minha também, já que no momento em que te vi, tive a certeza de
que jamais respiraria tranquila se não soubesse da sua segurança).
Ainda sinto a tua dança no meu ventre. A sua ansiedade em
querer nascer logo era algo que me comovia. E você nem imagina o que vem por
aí, pequena. Teu mundo ainda se resume a um retângulo de grades almofadado por
travesseirinhos e a “Girapuff”, que é o bichinho de pelúcia que você adora.
Preciso te dizer que a vida é muito mais que isso.
Os dias vão passar tão rápidos e você nem se dará conta. Só
mais tarde, talvez, você terá ideia de como era bom- isso se chama nostalgia. Mas
não se permita cultivá-la. Seguir em frente é o seu mantra.
Eu sei que chegará o
seu dia de bater as asas. O medo tomará conta de você e o seu primeiro
pensamento será "Vou cair”. Eu sei por que já passei pela mesma coisa. Mas
quando enfim tiveres coragem e lá do alto a vista for maravilhosa, você rirá da
sua própria bobagem. Porque voar, ainda que amedronte no começo, traz
recompensas lindas. Além disso, sempre terás um ninho para onde voltar.
Também sei que terão dias em que se revoltará e resolverá
sair da linha. Eu vou me desesperar e me perguntar onde foi que eu errei?
Talvez você se arrependa e me destine um pedido de desculpas e aí meu coração
só vai querer te amar ainda mais.
Não tardará o dia em que eu vou chorar e me intitular como
uma mãe fracassada (a mais fracassada do mundo, fruto do meu hiperbolismo) e
você vai se sentir impotente. E se puxar a mim, vai me abraçar em silêncio e
então tudo fará sentido.
Virão brigas, o primeiro amor que nem sabe que é amado, a
primeira prova final, a reunião com os professores, o pedido para ir falar com
a que você mais gosta porque sabe que vou ouvir só elogios... Meu coração vai
dobrar de tamanho quando passares no vestibular e se apertará com uma ligação sua
que não chega em uma festa de madrugada.
Quero te lembrar que vai nublar, algumas vezes. Parecerá
fácil ser levada pela correnteza e não remar em favor do que te faz bem.
Algumas vezes se sentirá sozinha mesmo sendo cercada por pessoas que te amam e
admiram tua suavidade, que Oxalá, permanecerá fazendo parte de ti.
Sei que se puxar a tua avó seu coração será entregue para
muitos garotos. Muitos o quebrarão em mil pedaços. Você vai achar que só poderá
reconstruí-lo com outro alguém mais cuidadoso ou vai dizer que nunca mais quer saber
desse trem esquisito chamado amor na sua vida. Ou talvez aprenda por si mesma e
com tempo que só quem te merece a ama o suficiente, só quem sabe o que você
precisa e colará os cacos do teu coração tão puro, é a pessoa que você vê
refletida no espelho.
Mas espero que apesar de tudo, inclusive do ciúme doentio do
seu pai, você encontre alguém para andar de mãos dadas na praça, vendo o
pôr-do-sol e cantando antigas cantigas de amor. Porque acredite, meu bem, é
bonito se entregar.
Vou rir do seu frio na barriga quando vier apresentá-lo aqui
em casa e o medo de que a gente cometa alguma gafe. Vou rir da cara de ciúmes
do seu pai, buscando mil defeitos e interrogando o rapaz como se fosse um
delegado, e odiando admitir o brilho que você emite quando está ao lado dele.
Talvez chegue, e até rápido demais, a fase em que você
sentirá vergonha de mim e me pedirá para parar a duas esquinas da escola. E eu
vou fazer de tudo pra te pirraçar. Sei que vou te amar a cada vez que te olhar
e analisar seus trejeitos iguais aos meus, te amar de domingo a domingo sem
feriados e pausas, ininterruptamente, te amar quando você vier chorar no meu
colo, quando te ver dar os primeiros passos, quando te admirar em uma foto... Te
amar ao olhar teu sorriso e constatar que, só por te ter ao meu lado, o meu
ainda consegue ser maior que o seu.
P.S: Pari esse texto hoje, quando ficticiamente, me vesti de
mãe.